O MANIQUEÍSMO NO BRASIL DE HOJE

Padre João Medeiros Filho

É bem conhecida a frase latina “nihil novi sub sole” (nada de novo debaixo do sol), encontrada no Livro do Eclesiastes (Ecl 1, 10). Poderia ser aplicada ao momento atual da sociedade brasileira. As eleições terminaram, mas os confrontos verbais e as polarizações continuam. Parece que ainda se vive em plena campanha eleitoral, que dividiu os brasileiros entre bons (“os do meu lado”) e maus (“os do outro lado”). As radicalizações não são novidade. Como as ondas do mar que vão e vêm, ideias e comportamentos humanos se repetem, ao longo dos séculos. O quadro sócio-político do Brasil de hoje reveste-se de um novo estilo de maniqueísmo. Verifica-se uma análise simplista e radical da realidade. O país cindiu-se em duas vertentes intransigentes. Para os adeptos de “X”, o que vem de outros é ruim, inaceitável e imprestável. Para os partidários de “Y”, aquilo que provém de “X” é nocivo, desprezível, retrógrado, devendo ser descartado.
A sociedade vive um dilema, próprio do maniqueísmo. Este se fundamenta na concepção filosófico-religiosa, originada na antiga Pérsia, amplamente difundida no Império Romano, nos séculos III e IV. Consiste basicamente em afirmar a existência de um conflito intransponível entre os reinos da luz (o Bem) e das trevas (o Mal). Ao ser humano caberia o dever de ajudar a vitória do Bem, por meio de práticas ascéticas. O propagador de tal doutrina foi Mani (Maniqueu ou Manes), nascido em 216 d. C. Defendia um dualismo antagônico. Segundo ele, há uma oposição permanente entre claridade e sombras. Suas ideias tiveram profunda influência em sua época, a tal ponto de Santo Agostinho, antes de sua conversão, tê-las adotado. Posteriormente, o bispo de Hipona opôs-se a tal pensamento. No século XII, o maniqueísmo voltou à tona. Desta vez, na França. Os novos maniqueus pertenciam às seitas dos cátaros ou albigenses.
Periodicamente, as teorias maniqueístas emergem aqui e ali, como concepção de vida ou prática social. Atualmente ressurge em partidos políticos, alimentados por uma ideologia marcadamente intolerante. Divide-se o Brasil pós-eleitoral em dois grupos semelhantes ao óleo e à água. Encontram-se, mas não se misturam. O oponente político é visto não como adversário, mas como um inimigo perigoso, que deve ser eliminado, a todo custo. Quem está do outro lado só tem defeitos, é mau e por isso necessita ser exterminado a qualquer preço. O outro é um demônio ou o inferno. “L´enfer c´est les autres” (o inferno são os outros), afirmava Sartre. Para os maniqueus do Brasil atual, apenas a sua maneira de pensar é certa e sábia, mesmo que muitas vezes se contradiga e apresente uma pletora de sofismas e inverdades. Os partidários são corretos, infalíveis e intocáveis. A sociedade fica, então, dividida. E o pior: quanto mais o outro (o inimigo a ser aniquilado) fracassar, melhor, pois, então, será a prova ou o triunfo de “seu bem e sua verdade”. O amor à pátria torna-se algo diluído, distante, relegado a um plano inferior.
Muitos são contraditórios e ilógicos, pondo nos lábios um pseudodiscurso democrata. A intransigência é a primeira e grande negação da democracia. Têm-se aversão e dificuldade em aceitar e conviver com quem pensa de modo diverso. Inconscientemente, almeja-se uma sociedade em que todos teriam o mesmo partido político, idêntica religião, igual time de futebol e modo de pensar. Os sistemas totalitários, tanto de direita, quanto de esquerda, alimentam-se dessa utopia. Desconhecem o ensinamento cristão, contido na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios (1Cor 12, 1ss).
Viver é conviver. “Homem algum é uma ilha”, escreveu Thomas Merton. O diferente amplia a visão, levando o ser humano a um melhor autoconhecimento. Conviver é respeitar, ter a capacidade de ouvir para se enriquecer com outras maneiras de pensar e ver o mundo. Quão monótona e deprimente seria uma sociedade formada de robôs! Os dias atuais estão mostrando que o maniqueísmo continua vivo e atuante. E, como todo “ismo”, tende a ser ideológico e empobrecedor. O Brasil, que se diz cristão, parece ignorar as palavras do Senhor: “Bem-aventurados os pés dos mensageiros que anunciam a paz” (Is 52, 7).

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