Um grande desafio

Padre João Medeiros Filho

Segundo psicólogos, cientistas sociais e demaisestudiosos do comportamento humano, vive-se hoje um tempo de desinteligência, incultura, deselegância de gestos, arrogância, intransigência e bazófia. Cercam-nos laços de impostura e ausência de estatura cívica. Somos vítimas da rudeza de espírito e indigência moral. Deparamo-nos com sandices imensuráveis e incontáveis violações, em cenário crescente de decadência dasociedade civilizada. Um dos paradoxos dolorosos denossos dias reside no fato de que alguns medíocres pretendem ser detentores da verdade absoluta. Por outro lado, aqueles que pensam estão mergulhados em dúvidas e questionamentos. Como sentimos falta dos ensinamentos de polidez e urbanidade. Indaguem às ex-alunas da secular Escola Doméstica de Natal e aos egressos de tradicionais colégios potiguares, especialmente os religiosos. Há escassez de lições de etiquetas. Fomos da época do“Pequeno manual de civilidade para uso da mocidade”, da coleção F.T.D (orientada pelos irmãos maristas). É preciso saber usar o que se aprendeu na escola de nossos antepassados. Ali havia criatividade, beleza, valores humanos e especialmente baliza ética. Transmitia-se umaeducação generosa. Buscava-se incutir nos jovenscivilidade básica, polidez, elegância, respeito ao outro, solidariedade humana e cristã.

É necessário ler e refletir bastante (Ah! O livro, esse esquecido), ouvir canções com letras ricas em conteúdo, poéticas e de ritmos mais suaves. É imprescindívelabandonar um pouco o smartphone e voltar às rodas de conversas com familiares e amigos (alguns irão dizer: “padre velho cafona, saudosista e caviloso”). É importanteusufruir da natureza para superar a crueldade dos dias sem saída ou solução aparente. Deve-se procurar dialogar com pessoas sensatas, delicadas, do bem e de bem. Não se pode desprezar a suavidade e a tenacidade, a independência e a maleabilidade. Há carência da verdadeira tolerância e do autêntico respeito às diferenças. Falta firmeza, porém sem intransigência, de pessoas autênticas, vivendo outros ritos e expressões. Assim poder-se-á manter a integridade, o fio da lucidez do desafio de conservar-se de pé em meio a um vendaval de modos toscos e ideias rasas.Para vencer as contradições do mundo, só muita espiritualidade eprofundidade interior”, aconselhou recentemente o Papa Francisco.

A sociedade hodierna faz-nos incessantes apelos para que voltemos a pensar com o cabedal ético e axiológico,formado ao longo dos anos. É preciso não esmorecer e capitular. É fundamental saber dizer não ao conluio obscuro, à satânica e soturna cooptação de desvioshumanos e sociais. Aprendamos a não ficar ouvindo osladinos ventríloquos de discursos do oportunismo no campo político, econômico e religioso.

O convívio social nos impele ao exílio forçado, àretirada imposta pelo toque de recolher, oriundo dos partidos, sindicatos, grupos etc. Há que ter fé, paciência, coragem e esperança. Um vasto e surpreendente caminho deve ser percorrido nos territórios de nossa livre expressão. Defendamos veementemente as searas íntimas e exteriores da insubmissão ao que se pretende e tenta impor a nossa sociedade. Tudo passa, tudo se transforma ese desloca nos imensos terrenos da construção das amizades e culturas. Não poderemos esquecer que haverá lugar para a solidariedade, o amor à vida e respeito ao ser humano.

O apóstolo Paulo já advertia o seu discípulo Tito: “Há muitos revoltados, faladores fúteis e impostores. É preciso calar-lhes a boca. Movidos por interesses torpes chegam a dividir famílias inteiras” (Tt 1, 10-11). Talvez, se vivesse entre nós, diria assim: desconfiai da arrogância de algunsou da falsa aparência de outros. Podem estar escondendoalgum veneno letal. Tem-se de examinar, sobretudo, o que é apresentado como normal ou tido como coisa natural, nos dias de hoje. Em tempo de desordem, ódio,divergências, radicalismos e arbitrariedade, em períodos de mentiras  inescrupulosamente divulgadas e de atos desumanos, cumpre-nos o sagrado dever de rejeitar. Mas, nada poderá parecer impossível de mudar. Jesus Cristo, um dia, tranquilizou os seus discípulos: “Confiança, eu venci o mundo” (Jo 16, 33). É ainda válida e bem atual a recomendação do Mestre: “Acautelai-vos dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos vorazes.  Por seus frutos os conhecereis” (Mt 7, 15-16).

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