“Dai-me sabedoria e discernimento”

Padre João Medeiros Filho

Segundo o Livro dos Provérbios, “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria.” (Pv 1, 7). O Brasil atravessa uma fase difícil de sua história. Vivem-se momentos desconcertantes e paradoxais, presenciam-se sintomas de insanidade. É lançado um desafio para a transformação civilizatória. Para tal mudança urge uma retomada do bom senso, a fim de reerguer o ser humano e recompor o tecido social. Os dias conturbados pelos quais passamos, agravados pela crise sanitária (álibi para a ineficiência de vários), encobrem de sombras a esperança. Por vezes, quase somos tragados por ondas de desânimo ou pessimismo. Mas, consola-nos a certeza do olhar misericordioso de Cristo. “Ao ver as multidões, Jesus encheu-se de compaixão, pois pareciam ovelhas sem pastor.” (Mt 9, 36). Os problemas hodiernos requerem respostas de sabedoria e humanismo.

Na encruzilhada entre sensatez e insanidade, o Brasil carece de sábios (no sentido bíblico) para conduzi-lo a uma reformulação, partindo de narrativas construtivas. Estas deverão ser capazes de desencadear ciclos diferentes na história. Não é fácil conduzir a sociedade por novos caminhos. Isto acontece ainda mais, quando tantos não conseguem desempenhar minimamente o próprio papel, assumindo suas responsabilidades. Certamente, dentre as manifestações de sandice contemporânea estão as marcadas de ambição, vaidade e sede de poder. Some-se a isso a desqualificação de muitos para ocupar cargos e funções relevantes. É também sinal de estultícia defender princípios antiéticos e socialmente deletérios. Isso revela incapacidade para o desempenho profícuo da missão. Esses distúrbios acabam desgastando as instituições, atrasam processos de reconstrução cívica e geram desperdício de energias. A ética é desmoronada, dando lugar à injustiça, disseminando a corrupção, fomentando sofismas e falácias, na tentativa de se vender a mentira como se verdade fosse.

Falas desconexas e contraditórias são cada vez mais frequentes e até aplaudidas, sinalizando desvario. Tais afirmações contribuem para acirrar ainda mais posturas polarizadas, prejudicando a abertura de novos ciclos de civilização. Há lições a aprender em função da reconquista do desejado tom da sensatez, a fim de preservar a sociedade dos horrores da loucura. Esse aprendizado é imprescindível. Os disparates chegam a níveis elevados, a partir de discursos equivocados, podendo levar a nação a um caminho sem volta. Na história não é novidade a existência de desatinos, conduzindo povos à decadência. Isto acontece especialmente, quando se erige o primado das ideologias, prejudicando o bem comum. Ou por outra, optando-se pela obtusidade de partidarismos em detrimento do consenso. Não será essa a situação enfrentada pelos brasileiros? É urgente transpor esse cenário, a partir de reconfigurações culturais e sociopolíticas.

As igrejas têm o dever moral e teológico de neutralizar as insânias que ameaçam o Brasil. Os cristãos devem se imbuir de coerência e consciência histórica, pois nossa terra nasceu sob a égide da Santa Cruz. Algumas denominações religiosas, em vez de apresentar acenos de sabedoria, tornam-se fermento de mais insensatez. Exige-se o contributo de pessoas equilibradas. Salomão não pediu a Deus riquezas, honra e poder. Dirigiu-se ao Altíssimo, deste modo: “Senhor, dai-me sabedoria e discernimento para dirigir o vosso povo.” (1Rs 3, 9). Governar consiste em propiciar a união, saber articular as diferenças e delas construir a harmonia e o bem-estar. Nossa pátria precisa de cidadãos capazes e habilidosos na gestão de perspectivas divergentes e aptos a promover diálogos construtivos. Isso demonstra liderança. O Brasil está carente de líderes, inclusive espirituais. A religião desempenha um papel importante para gestar a condição de sábio, não de sandio. A espiritualidade genuína tem potencial para garantir equilíbrio e respeito coletivo. Os que creem devem participar do compromisso de promover o bem de todos e não de alguns. É oportuno enfatizar a dinâmica sapiencial, adotando um estilo reflexivo de vida. Muitos são precipitados sem considerar o amanhã, como se as ideologias de hoje fossem valores perfeitos e eternos. Um sinal de insensatez é considerar o provisório da vida como o definitivo da existência. Aqui, convém lembrar o ensinamento do apóstolo Tiago: “Se a alguém de vós falta sabedoria, peça-a a Deus que a concede generosamente a todos sem impor condições.” (Tg 1, 5)