Padre João Medeiros Filho
Segundo alguns pesquisadores – dentre eles, Olavo Medeiros, Oswaldo Lamartine e Paulo Balá – os queijos seridoenses datam do alvorecer do século XVII, bem antesda consolidação de sua manufatura em Minas Gerais. Trata-se de mais um legado da cultura neerlandesa à nossa gente. De acordo com etimólogos, a palavra queijo deriva de uma raiz indo-europeia “kwat” (fermentar), passando para o latim vulgar como: “caseus”. Por sua vez, originou“kaas” (holandês), “käse” (alemão), cheese (inglês) e“queso” (espanhol). Em italiano e francês o termo alude ao formato de seu recipiente. Daí, provêm os vocábulos“formaggio” e “fromage”. Porém, não há certeza sobre o berço da queijaria. Sem dúvida, parece ser bem antigo, pois o Livro do Gênesis descreve: “Então, o Senhor tomou coalhada e queijo fresco e colocou-os diante deles” (Gn 18, 8). Plínio, o Velho, refere-se ao seu uso na Europa, anterior ao Império Romano. Conforme a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO, as queijarias produzem anualmente mais de vinte milhões de toneladas desse laticínio. França, Holanda, Alemanha,Suiça e Itália estão entre os grandes produtores. Estudos recentes mostram a Grécia como o maior consumidor mundial com 27 kg “per capita” anuais. Segue-se aFrança com 24 kg por habitante, ao ano.
Vários estudiosos atestam que as queijariascomeçaram a despontar no Seridó com a chegada dos holandeses. Câmara Cascudo, em sua História da Alimentação no Brasil, não registra a sua fabricação pelos colonizadores portugueses, em terras potiguares, nosséculos XVI-XVII. Há os que pretendem ligar a origem de nossos queijos aos da Serra da Estrela. Arrimam-se na afirmação do escritor Gil Vicente para quem a iguaria era alimento trivial dos lusitanos mais abastados. Entretanto, outros pesquisadores contestam, afirmando que o “Serra da Estrela” tem por base o leite de ovelha ou cabra. A produção tradicional do Seridó é feita com leite de vaca, apesar de não excludente. Até hoje, não há tradição de uma ovino-caprinocultura relevante em nossas propriedades. Nos Países Baixos, a área cultivável é exígua. Por isso, muitos habitantes dedicavam-se à pecuária. Em determinados aspectos, o Seridó apresentavacaracterísticas análogas. Pela aridez do clima, adaptava-semais – sem o advento das técnicas modernas – à bovinocultura. As queijarias nasceram, especialmente, para aproveitar o leite não consumido.
Há outros fatores que nos levam à conclusão de que nossos produtos têm influência holandesa. Dentre avariedade de queijos produzidos por aquela nação (Gouda, Edam, Maasdammer, Leerdammer, Meikass etc.), há dois que guardam fortes traços com os seridoenses: o“boerenkass” e o “graskass”. Este último é derivado doleite das primeiras ordenhas. A ele assemelha-se o nosso queijo de manteiga. O “boerenkaas” é artesanal, feito comleite cru, apesar do cozimento da massa por alguns fabricantes. Dele aproxima-se o nosso coalho. Erampreparados para resistir aos rigores do inverno europeu. Osnossos foram concebidos, em princípio, para suportar os períodos de estiagem e os longos trajetos dos tangedores de gado. Convém lembrar o incentivo e a visão social de Dom José de Medeiros Delgado, primeiro bispo de Caicó, para o aperfeiçoamento de nosso plantel bovino. Adquiriucabeças de gado da raça Holstein-frísia para melhoria dorebanho da região. Conseguiu aumentar a nossa bacia leiteira. As instituições de ensino e culturais, governos, parlamentos e igrejas deverão zelar por esse patrimôniocultural e tradição alimentar.
Nossos queijos são retangulares, enquanto os holandeses e outros, redondos. Isto por uma razão práticae simples. O vasilhame seridoense, à época, erainsuficiente e de cerâmica (barro), não se prestandoadequadamente à maturação do laticínio. Inspirados nas formas de tijolos, os queijeiros criaram os cinchos retangulares de madeira. Verifica-se igualmente umasemelhança do preparo seridoense com o holandês. Após a solidificação, marcava-se a produção com as datas e iniciais do seu fabricante. Disso advém o nosso costume – ainda vigente na produção artesanal – de “engomar” os queijos (criando uma crosta protetora) e gravar com a identificação (ferro) do fazendeiro. A Bíblia cita o seu valor calórico e nutricional: “Trouxeram coalhada e queijo de leite de vaca, pois sabiam que estávamos cansados,com fome e sede no deserto.” (2Sm 17, 29).