PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
A quaresma é o reviver da caminhada do Povo de Deus em busca da Terra Prometida. É tempo de esperança, expectativa de reencontro, época de sonhos e planos. Como estará a pátria de onde saímos e para a qual pretendemos voltar? Como estão as pessoas que ali deixamos? A viagem é sempre um período de reflexão, planejamentos e, por conseguinte, conversão. Deste modo, quis a Igreja nos proporcionar um espaço interno e temporal, durante o ano, a fim de realizarmos uma viagem ao interior de nós mesmos. E assim, voltando ao que é verdadeiramente nosso, possamos nos deparar com o que ali deixamos, encontrando-o mais amadurecido e mais rico. Às vezes, de volta à casa, depois de meses ou anos, muita coisa não existirá mais. Da mesma maneira, o que é velho, no dizer de São Paulo, deverá desaparecer para dar lugar à novidade de Deus. Esse tempo privilegiado na vida cristã é a Quaresma. Mas, esta não é apenas um período litúrgico. Há uma realidade quaresmal também ao longo de nossas vidas, em que devemos retornar para a terra prometida por Deus, que é antes de tudo nossa paz interior e o encontro com nossa verdade e nossa individualidade.
Quaresma é tempo de aniquilamento e renascer. A cerimônia de cinzas representa uma destruição interior, o fim de tudo aquilo que nos afasta de Deus e de nós mesmos. É preciso reduzir a pó ou a cinzas nossa mentira individual ou social, nosso fracasso, numa palavra, nossos pecados para que possa nascer o homem novo, que Cristo veio mostrar. As cinzas são simbólicas, significam nossa conversão, a cremação de nossos pecados e o brotar de novos planos. Por isso deve surgir em nós um desejo autêntico de escuta da palavra de Deus. A caminhada, a viagem nos dá a oportunidade de dialogar e ouvir outras pessoas. A Quaresma é esse convite a uma escuta atenta e profunda de Deus. É sua Palavra que ilumina nossa vida, que nos chama à transformação interior e nos dá a verdadeira dimensão da misericórdia divina, do perdão e da graça.
Em geral, ninguém caminha sozinho. A viagem é mutirão e partilha. Assim foi o êxodo do Povo de Deus. Durante a peregrinação, muitos conversam e questionam. Por esse motivo, a Igreja instituiu a Campanha da Fraternidade, que é a reflexão em nossa caminhada anual. Neste ano de 2019, a Igreja do Brasil convida-nos a discutir o problema das políticas públicas. Por que? Há muita coisa a ser pensada. Mas, a Terra Prometida que esperamos, o Mundo Novo, feito de mulheres e homens livres, de pessoas solidárias e fraternas, constrói-se na caminhada e começa antes de tudo na retidão de nossas consciências e na sinceridade de nossos corações. Entenderemos assim o que diz Javé, Deus Todo-Poderoso, ao se definir: Eu sou a Libertação. Ouvi o clamor do meu povo e resolvi descer para libertá-lo da escravidão, da opressão e da morte (Ex 3, 7-8).
O lema bíblico escolhido para iluminar a Campanha da Fraternidade 2019 foi extraído do livro do profeta Isaías: Serás libertado pelo direito e pela justiça (Is 1,27). A Sagrada Escritura utiliza, no Antigo Testamento, a palavra direito para designar a ordem justa da sociedade, em sentido objetivo. Uma vez que nem sempre essa ordem é respeitada na vida real, a referida palavra vem invariavelmente acompanhada de outra justiça, designativa da obrigação moral do direito. Assim, a “justiça” obriga moralmente a pessoa a se preocupar com os mais pobres do povo, representados metaforicamente na Bíblia pela tríade: viúva, órfão e estrangeiro (simbolizando os excluídos e marginalizados), para que haja o direito na sociedade.
Somos convidados a agir como Jesus. Este não é mero observador, mas se envolve na vida do seu povo, participa e incentiva os seus seguidores a participar. Com sua ação, ele vai devolvendo aos pobres e infelizes o que lhes foi tirado. O povo não tinha pão, Cristo partilha o pão; o povo não tinha saúde, Jesus cura os doentes; muitos do povo eram colocados à margem da sociedade, Jesus os traz para o centro.