Tempos polêmicos e doentios

Padre João Medeiros Filho
O Brasil contamina-se cada vez mais com polêmicas e radicalismos, acarretando desgaste emocional e desperdício de energias nos indivíduos. Desprezam-se oportunidades ricas de diálogos sensatos, capazes de ajudar na solução de vários problemas. A dificuldade em debater, de forma construtiva, tem revelado despreparo com o exercício das responsabilidades civis, profissionais e até religiosas. Isso não é novo. Na época de Jesus Cristo, seus concidadãos viviam psicologicamente armados. A animosidade reinava entre as províncias da Samaria e Judeia (cf. Lc 9, 52-53 e Jo 4, 9). As constantes diatribes com escribas, fariseus, saduceus e outras correntes eram análogas aos atuais embates ideológicos. Os evangelhos contêm várias alusões a esse tipo de comportamento.
Verifica-se um descompasso entre as possibilidades científicas ou tecnológicas do Brasil contemporâneo e as contradições da sociedade. Esta se enfraquece, ainda mais, com lutas fratricidas, impactando sobre o exercício das diferentes atividades. Disso resulta a fragilização crescente das instituições. Na ausência de equilíbrio ético, psicológico, político e social, falta clareza às pessoas. Assim, prevalecem conveniências e acordos condenáveis, dificultando soluções adequadas. Nesse contexto, a capacidade de diálogo se debilita, travando a percepção da verdade e o exercício da justiça e solidariedade. Discernimento e consenso estão praticamente ausentes da convivência hodierna. O outro passa a ser inimigo, lembrando o pensamento de Sartre: “O inferno são os outros”.
Atualmente, o país e os cidadãos vêm se nutrindo patologicamente de polêmicas. “Não se informa mais com objetividade e razoabilidade. Decide-se jogar mais lenha na fogueira”, advertiu o Papa Francisco, em uma de suas recentes audiências públicas. Hoje, as pessoas revelam-se incapazes de escutar e aceitar críticas que possam contribuir para a construção de dinâmicas renovadoras dos diferentes contextos. “Foi-se o contraditório, reina o ditatório”, desabafou o jurista Afonso Arinos, da tribuna do Senado, na década de 1970. Desprovidos de humildade, tangidos pela vaidade e empáfia, muitos se arrogam melhores do que realmente são.
Nos dias atuais, julga-se açodadamente. Há pressa na emissão de juízos. Desconsideram-se as ponderações necessárias para interpretar adequadamente falas e fatos. Geralmente, não se analisa o porquê das coisas. As sentenças são quase imediatas, impulsionadas por ódio, preconceitos ou interesses duvidosos. Por isso, opiniões e pareceres distanciam-se da realidade e prejudicam inúmeros processos importantes. Daí, surgem obscurantismos e polarizações. Deste modo, as instituições vão definhando. E, consequentemente, os acontecimentos são banalizados na velocidade da mídia, sem análise responsável dos conteúdos e seus alcances. Valoriza-se mais o frenesi abusivo e alienante das redes sociais, ameaçando a saúde mental dos indivíduos e da nação.
Entre as consequências desse cenário estão a ausência de habilidade para se relacionar e a crescente violência. O lar está deixando de ser local de diálogo, tornando-se reduto de conflitos. “Muitas famílias reduzem-se a meros pensionatos”, como afirmava Dom Nivaldo Monte. Isso concorre para o adoecimento do país, somado à pandemia, que também se tornou escudo ou álibi para inépcia, ausência de honestidade e seriedade em muitos. Em artigo anterior, afirmamos que as imunizações são urgentes, não apenas para vencer o Sars-CoV-2, mas também para superar outras enfermidades, que podem levar ao colapso nacional, inclusive pessoas capitularem da vida.
A desorientação generalizada é sinal de que a estrutura da nação está abalada. É preciso fortalecer a dinâmica da fé. Jesus tranquilizou o leproso: “A tua fé te salvou” (Lc 17, 19). A recuperação do Brasil clama igualmente por uma solidez espiritual e mística. Diante da crescente morbidade das pessoas e instituições, urge buscar o remédio da espiritualidade. Evidentemente, não se deve abrir mão de outros remédios, mas a verdadeira religiosidade integra a terapêutica capaz de restabelecer a dimensão mais essencial do ser humano. Ela colabora para que o sentido da vida seja percebido. Igrejas e religiões precisam desenvolver dinâmicas e vivências que ajudem o país a recompor sua interioridade, superar situações depauperantes e intransigências que dissipam a paz. Torna-se imprescindível abandonar o hábito de sofismas e disputas cegas ou deletérias. É preciso insistir nas palavras do Mestre à samaritana: “Ah, se conhecesses o dom de Deus!” (Jo 4, 10).