Padre João Medeiros Filho
O Papa Francisco, pelo Motu Proprio “Spiritus Domini” (documento normativo, expressando a vontade do Sumo Pontífice) decidiu conferir às mulheres o leitorado e o acolitado.
O assunto vem causando perplexidade em alguns católicos.
Haverá ordenação de mulheres, poderão elas celebrar e confessar? Os ministérios de leitor e acólito são conhecidos na tradição católica, desde o século IV.
O Concílio de Sárdica dispunha sobre sua obrigatoriedade para aqueles que desejavam tornar-se diáconos.
Antes da decisão de Francisco, eram conferidos apenas a homens que se preparavam para o diaconato e o presbiterato.
Para que fosse possível a investidura de pessoas do sexo feminino nos ministérios citados, o Santo Padre alterou o cânon 230, § 1º do Código de Direito Canônico, suprimindo a palavra “varões”.
Cabe esclarecer que esta decisão da Santa Sé não trata de ordenação sacerdotal.
Há uma diferença teológico-canônica e bíblico-pastoral entre ordenação e ministério.
No Sínodo da Amazônia, alguns bispos defenderam a tese da ordenação presbiteral de mulheres, que foi rejeitada pelo Santo Padre.
O sacerdócio ministerial católico é composto de três graus: diaconato, presbiterato e episcopado.
A partir de 11 de janeiro de 2021, as mulheres poderão ser investidas nas funções de leitor e acólito, destinadas a ajudar nos atos litúrgicos. O Concílio Vaticano II restaurou e Paulo VI regulamentou, em 1967, o diaconato permanente, o qual admite a ordenação de homens casados.
Agora, os ministérios de leitor e acólito deixam de ser transitórios e neles poderão ser investidas mulheres.
Oficialmente, elas servirão no altar, realizarão leituras nos atos litúrgicos e celebrações da Palavra, distribuirão a Sagrada Comunhão e exercerão outras atividades pastorais.
As conferências episcopais irão normatizar a implantação dessas funções a serem desempenhadas em caráter permanente e não de forma improvisada ou aleatória. Para tanto, haverá uma formação específica nas dioceses, à semelhança do que acontece com os futuros diáconos.
Deve-se ressaltar o pioneirismo de Dom Eugênio Sales na promoção da mulher na Igreja de Cristo. Importa lembrar a experiência em Nísia Floresta e São Gonçalo do Amarante.
Ali, “as religiosas vigárias” administravam as paróquias e concediam a graça divina pelos sacramentos. O Cardeal Sales, quando administrador apostólico de Natal, foi o primeiro bispo latino-americano a conseguir a autorização da Santa Sé para que freiras distribuíssem a Comunhão, presidissem casamentos e realizassem outras tarefas pastorais, na falta de padres. Dom Eliseu Maria Coroli, prelado de Guamá (PA) e Dom José de Medeiros Delgado, arcebispo de Fortaleza, obtiveram posteriormente idêntico beneplácito de Roma.
Dom Delgado preparou as Irmãs Josefinas para cuidar das comunidades paroquiais sem sacerdotes, estendendo a experiência à diocese de Caicó, seu primeiro bispado.
O catolicismo, no decorrer dos anos, tem se mostrado androcêntrico. Mas, as mulheres pouco a pouco ocupam o seu devido lugar na Igreja.
Assim aconteceu nas comunidades cristãs dos primeiros séculos.
Os Atos dos Apóstolos enaltecem a presença feminina e destacam a sua participação na vida eclesial.
A mãe do evangelista Marcos e também Lídia fizeram de suas casas uma Igreja (At 12, 12; 16, 40).
Ao longo da história, as mulheres aparecem animando a liturgia, assistindo as comunidades e meditando a Palavra. Hoje, ministras da Eucaristia distribuem a comunhão nas igrejas e aos enfermos, em residências e hospitais.
São fiéis servidoras do Evangelho. Entretanto, hierarquicamente não eram devidamente valorizadas.
Na perspectiva de uma Igreja sinodal, o Papa Francisco reconheceu institucionalmente a importância das mulheres na vida eclesial, inclusive no altar. A sua inclusão nos ministérios devolve uma perspectiva teológica importante: o papel dos batizados a serviço da proclamação da Palavra de Deus nas ações litúrgicas, as quais ajudam a fortalecer a fé da comunidade. É a ressignificação de ministério na vida eclesial.
“Spiritus Domini” é o sinal de que o Espírito do Senhor continua a falar à Igreja e ecoa pela voz de homens e mulheres que proclamam nas igrejas a Palavra e servem piedosamente ao altar do Senhor.
Convém citar a exortação do apóstolo Paulo: “Recomendo-vos Febe, nossa irmã, diaconisa [que dirige] da Igreja de Cencreia, para que a recebais no Senhor de modo digno, como convém a santos, e a assistais em tudo o que ela de vós precisar, porque ela ajudou a muitos, inclusive a mim.” (Rm 16, 1).