
Padre João Medeiros Filho
A maioria das pessoas passa por situações incômodas, inoportunas e inconvenientes. Outrora, o telefone fixo era o campeão de aborrecimentos. Os tempos mudaram. Hoje, há muitas vítimas das redes sociais. O toque do celular é constrangedor, fora de hora e lugar. É aborrecido, quando alguém interrompe uma conversa importante para atender o telemóvel, como dizem os lusitanos. Com o advento desse aparelho o encontro presencial passou a ser secundário, o interlocutor fica em segundo plano e compasso de espera. Não se respeitam os avisos para desligar os celulares em igrejas, teatros, auditórios, hospitais, clínicas, salas de aulas etc. Existem sempre os “esquecidos”, transgredindo essa regrinha básica de convivência social. Faz-nos lembrar o livro de Guilherme Figueiredo “Tratado Geral dos Chatos”, publicado em 1962 pela Editora Civilização Brasileira.
O autor descreve a chatice como falta de educação, inconveniência, grosseria etc. Cita vários tipos de chatos: o etílico, o donjuanesco, o confidencial (que fala ao pé do ouvido e cospe na cara do interlocutor), o chato-de-galocha e outros tipos: o pseudo-erudito, puritano-virtuoso, professoral, orador de ocasiões, o verborrágico ou diarreico de palavras, o que padece com prisão de ventre de ideias, em suma, uma pletora de chatonildos. Poder-se-ia acrescentar outras categorias desses personagens. Entretanto, é impossível fazer um levantamento completo, pois eles se multiplicam numa velocidade estonteante, acompanhando o avanço tecnológico. Recentemente, apareceram com força o e-chato, o politicamente correto, o academicamente exato, o fundamentalista religioso etc. Há os que pregam mudanças (imposições), através de um determinado partido, considerado por eles o escolhido de Deus. Molestam demasiadamente, quando pretendem convencer que seu discurso é o científico e ético, o único capaz de mudar e salvar.
Segundo alguns psicólogos, a proliferação dos chatos decorre do crescimento da intolerância entre as pessoas. Relacionam entre tantas causas: o declínio do sentido de civilidade e o surgimento de novas conquistas técnicas sem a contrapartida de regras sociais específicas para o seu uso. Uma análise acurada da vida cotidiana, da organização familiar e social poderia trazer maior clareza sobre as fontes e causas do aumento do número de chatos e chateados no mundo. Existe algo que deixa uma pessoa preocupada: a possibilidade de ser igualmente um chato, mesmo inconsciente ou involuntariamente. Ninguém está imune a tal defeito, que afeta milhares de seres humanos, contagiando outros tantos. Assegura-nos o apóstolo Paulo: “Aquele que vos perturba, seja quem for, terá o merecido castigo” (Gl 5, 10).
Muitos são vítimas de ligações desagradáveis, aborrecedoras e chatas. São aqueles que insistem em telefonemas, oferecendo empreendimentos de diversos tipos. Recebem-se chamadas de instituições filantrópicas, operadoras de telefonia ou televisão a cabo, internet etc., com planos mirabolantes. Existem os que oferecem túmulos e planos funerais. Essa é uma realidade inexorável, mas não deverá ser abordada em horas impróprias. Há quem ofereça, mediante pagamento, o repasse de cadastros de telefones, endereços, e-mails para mala direta, ao arrepio da Lei nº 13.709/18. Como se não bastassem, há outros tipos de chatices no whatsApp. Exemplo: as famosas correntes supersticiosas, deixando os indivíduos constrangidos, caso pensem em quebrá-las. Os anos eleitorais são pródigos dessas atividades, marcados por uma enxurrada de cartas, panfletos e telefonemas, gravados por algum artista ou pelo próprio candidato.
Deverá haver alguma medida jurídica para diminuir tanta coisa que nos apoquenta. Um amigo encontrou uma maneira de diminuir telefonemas impertinentes e tediosos. Ao verificar que se trata de chamadas de “telemarketing” ou “spam”, oferecendo isso e aquilo ou pedindo contribuição para entidades (cuja idoneidade é duvidosa ou desconhecida), ele emprega os métodos dos importunadores. Atende à ligação e diz: “Um momentinho, por favor!” Coloca uma música e deixa o interlocutor esperando. Interrompe duas vezes e diz: “Não desligue, converso já.” Isso faz com que a chamada tenha uma duração longa, atrasando a meta prevista de contatos. Não se deve esquecer que chatear alguém é falta de educação e caridade. O Livro dos Provérbios faz uma recomendação prática: “Afasta o pé do teu vizinho, para que saturado de ti, não venha a te detestar” (Pr 25, 17).