Por Padre João Medeiros Filho
A presente abordagem não se reveste da pretensão de cunho jurídico e técnico. Trata-se de uma experiência sobre o assunto, quando éramos pároco e chanceler do bispado, em Caicó (RN). Laudêmio e foro datam dos tempos coloniais, remontando às capitanias hereditárias, quando a Coroa Portuguesa outorgava aos donatários direitos sobre determinadas porções de seu domínio no Brasil. Consistia num repasse de glebas a pessoas físicas e entidades. Esse costume foi sendo seguido, disseminado e adaptado. Assim, no passado, em decorrência de promessas aos santos, tornou-se usual entre os católicos, como símbolo de gratidão, doar terras à Igreja (nela incluindo-se irmandades, congregações e associações religiosas, padroeiros, paróquias etc.). Era muito comum casas residenciais e comerciais edificadas sobre os terrenos “do santo ou da santa”. Muitas terras doadas aos santos padroeiros, antes da expansão das cidades, estão situadas hoje em zonas urbanas.
Infelizmente, muitos bens vinculados à Igreja, têm sido dilapidados, alienados levianamente e espoliados, por incúria de gestores. É uma afronta a seus doadores, à história e à memória daqueles que de boa-fé fizeram os legados, por vezes gravando cláusulas de inalienabilidade. Seguiram o preceito bíblico: “Ninguém comparecerá diante do Senhor, de mãos vazias. Cada um trará uma oferta, conforme as bênçãos que o Senhor houver concedido” (Dt 16, 17). Convém lembrar que parcela considerável do patrimônio dos bispados de Caicó e Natal tem sido preservada, graças ao zelo e dedicação de Dr. Vital Bezerra de Oliveira.
Além dos terrenos da Igreja, sobre os quais incidem laudêmio e foro, há também os da família imperial brasileira e os que pertencem à Marinha (União). Estes últimos estão localizados na zona litorânea, inclusive nas ilhas. Em 1831, tal faixa de terra foi delimitada a trinta e três metros da maré mais alta, em relação à linha de preamar. A União possui mais de trinta por cento dessas terras, sendo o restante dos demais proprietários.
A Igreja, considerando as suas necessidades e as dos cidadãos, foi disponibilizando parte de seu domínio para o usufruto de terceiros, sem a perda da propriedade. Disto, origina-se o laudêmio: uma taxa pecuniária compensatória paga ao legítimo dono, quando da transmissão do terreno, havendo ou não edificações. Consiste numa pequena parcela participativa no lucro auferido, proporcionado também pelo uso do terreno. Há ainda a contribuição anual pela ocupação do solo, denominada foro, isto é, uma compensação monetária pela utilização de um espaço pertencente à Igreja ou a outros proprietários.
Laudêmio é uma taxa devida pelo beneficiário do domínio útil ao seu legítimo proprietário. Não é um tributo, mas contraprestação financeira. A cobrança é legal e legitima. Há assentada jurídica para a base dos cálculos, incidindo sobre o valor venal do terreno, onde eventualmente são edificados prédios. Caso a transmissão se dê por herança, o valor não é cobrado. Aos foreiros pertencem as construções e benfeitorias, não os terrenos sobre os quais se edificam, sendo eles patrimônio da União, Igreja, família imperial brasileira etc. Eis a origem das taxas, obedecendo à tradição do ordenamento jurídico brasileiro. Cabe informar que há amparo legal para a sua cobrança, previsto pelo Código Civil Brasileiro (atualizado pela Lei nº 10.406/2002), no Artigo 2038. Hoje, o laudêmio dos terrenos da Marinha (União) é regido pela Lei 14.011/2020. Entretanto, tramitam no Senado Federal e na Câmara dos Deputados projetos de lei (por exemplo, o PL 1855/2024), propondo a extinção de cobrança do laudêmio e foro pela ocupação de terras da União (Marinha). Tais projetos não incluem terrenos pertencentes a outros proprietários. Há quem defenda estender para estes a isenção.
O direito dos legítimos donos deve ser respeitado. É uma questão de justiça e honestidade. As taxas recebidas visam a ajudar na manutenção das obras da Igreja com sua visão amplamente social, assistencial e educativa. Para os cristãos, do ponto de vista teológico-canônico, a obrigatoriedade das taxas laudemiais e foreiras inclui-se no dever religioso do dízimo. Para tanto, recomenda o apóstolo Paulo: “Que cada um dê sem pesar nem constrangimento, pois Deus ama a quem dá com alegria” (2Cor 9, 7).