“Envolvente em sua indiferença, admirável em sua frieza, pertinaz em sua determinação, ele é o Chacal, um assassino de aluguel contratado pela OAS, Organização do Exército Francês, inimiga da independência da Argélia, para fulminar o General De Gaulle com uma bala de fuzil. Sem identidade, mas com gestos refinados e elegantes, o Chacal trabalha nas sombras e mata friamente quem se interpõe em seu caminho. Um plano macabro. Conseguirá o inominável Chacal executá-lo?”, essa é a chamada da contracapa do célebre romance “O dia do Chacal” (Abril Cultural, 1980), do inglês Frederick Forsyth (1938-2010).
Evidentemente, não vou responder à pergunta. Não faço spoiler.
Quero aqui, na verdade, para além de ressaltar a excelência desse best-seller, falar do seu caráter duplamente “imitativo”, já que ele imita a vida e a vida acaba o imitando.
Segundo consta, Forsyth teria imaginado o enredo de “O dia do Chacal” quando, trabalhando para a agência Reuters, observou a labuta das forças de segurança em torno do General De Gaulle. Escrito em estilo marcadamente jornalístico, o livro principia narrando um fato histórico: a tentativa frustrada, em 22 de agosto de 1962, patrocinada pela OAS (no original “Organisation de l’Armée Secrete”), através do tenente-coronel Jean-Marie Bastien-Thiry, de assassinar o heroico líder francês. Nesse ponto, o livro é um bom exemplo de ficção histórica.
Se a arte imita a vida como no princípio de “O dia do Chacal”, é também danado para, a partir da ficção policial, numa mistura infeliz de loucura com pura criminalidade, a vida imitar a arte. “O dia do Chacal” parece ser um caso clássico desse tipo de influência no mundo real. O próprio método para adquirir passaporte e identidade falsos, como descrito no romance, restou doravante imitado e conhecido, sobretudo no Reino Unido, como “Day of the Jackal fraud”. Consta que vários assassinos e terroristas eram fanáticos leitores do romance de Forsyth. Com Yigal Amir, que assassinou primeiro-ministro de Israel Yitzhak Rabin em 1995, foi encontrada uma cópia em hebraico de “O dia do Chacal”. Sobretudo temos o caso do terrorista venezuelano Ilich Ramírez Sánchez, notadamente apelidado de “Carlos, o Chacal”, uma vez que também teria sido encontrada uma cópia do romance nos pertences do dito cujo. Tido como marxista-leninista radical, ele foi o responsável por uma série de assassinatos e atentados terroristas nos anos 1970 e 1980, inclusive na França. Esteve entre os criminosos internacionais mais procurados. Foi finalmente capturado no Sudão e transferido para a França, onde atualmente cumpre várias penas de prisão perpétua. Quem sabe algum dia não falamos sobre o caso real de Carlos, o Chacal?
É fato que o romance “The Day of the Jackal”, desde quando originalmente publicado em 1971, tem sido um sucesso de crítica e de público. Venceu o prêmio Edgar, da Mystery Writers of America, no ano seguinte ao seu lançamento. Ainda hoje popular, figura sempre nas listas dos romances mais lidos da literatura inglesa e universal. E, já em 1973, com o mesmo título, foi excelentemente adaptado para a grande tela, com direção de Fred Zinnemann e estrelado por Edward Fox e Michael Lonsdale. O filme ganhou um BAFTA, além de outras merecidas indicações para o mesmo prêmio, para o Globo de Ouro e para o Oscar. Tornou-se um clássico.
Por sinal, acabei de descobrir que o livro de Forsyth foi recentemente adaptado para a TV. “The Day of the Jackal” (2024) é uma nova série da televisão britânica, estrelada por Eddie Redmayne e Lashana Lynch, que, desde a estreia em novembro último, virou sucesso mundial. Logo indicada ao Globo de Ouro (melhor série – drama), batendo recordes de audiência nos Estados Unidos e no Reino Unido, com a segunda temporada já anunciada, ela chegou ao Brasil por meio da plataforma de streaming Disney+. Para quem quer menos badalação no verão, esse “novo” Chacal é uma boa opção, não?
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL